Tirar ônibus do Centro
Sérgio Becker
Especial para Folha do Porto
Na sua concepção, a proposta de criar portais de ingresso no Centro da cidade, nome pomposo para estações de transbordo de passageiros, a popular baldeação, se constitui num medida correta. Afinal, tanto os ônibus urbanos quanto os metropolitanos chegam ao Centro com menos de 30% do total dos passageiros embarcados. Além disso, durante dez anos foi discutido um projeto que preservaria do ingresso de ônibus um anel formado pela Primeira Perimetral, Rodoviária e Mauá. Seu interior seria alimentado por microônibus gratuitos para os passageiros dos ônibus. O projeto poderia ter sido implantado com recursos do Orçamento Participativo, que foram conquistado pelos moradores do Centro para a retirada dos terminais da avenida Salgado Filho, mas a incompetência administrativa - para não dizer insanidade técnica – embananou tudo e engavetou o projeto. Para o leitor que tenha estranhado a expressão insanidade técnica, perguntaríamos como classificar um projeto que previa a retirada das vinte árvores que resistem na avenida-rodoviária, estreitamento de suas duas pistas, proibição da circulação de automóveis e implantação de grandes e pesados equipamentos de proteção aos passageiros ?
A concepção dos portais, repetimos, é correta. Inclusive, já temos estações de transbordo subutilizadas no bairro da Azenha e na entrada do bairro da Agronomia. Também temos um ponto de transbordo sem infraestrutura em pleno funcionamento e que nostalgicamente lembra o Interior, localizado no fim da linha Belém Velho para a baldeação com três linhas alimentadoras. O modus operandi da baldeação é incrível. Um ônibus estaciona atrás do outro e os passageiros do primeiro embarcam pela porta traseira do outro sob a fiscalização de funcionário da empresa transportadora dos passageiros. No século XXI, caro leitor...E temos o terminal Cairú, que foi forçosamente implantado devido o esgotamento, logo após a inauguração, do corredor da Assis Brasil. Aliás, esta história de aplicar a estratégia ferroviária ao transporte coletivo de ônibus é meio complicada. Um comboio de uma dezena de vagões de trem elétrico não polui e exige pouca mão de obra operacional. Já um comboio de dez ônibus num corredor polui muito e exige muita mão de obra operacional. Sem contar a danificação da pista alfáltica e a tranqüila conservação dos trilhos.
Voltando aos portais, parece que inevitáveis na busca de um pouco de racionalização e redução de custos no sistema rodoviário de transporte de passageiros. Talvez o ideal é que fossem implantados vários pequenos em pontos estratégicos das radiais e não apenas três ou quatro grande projetos. Em segundo lugar, se estiverem previstos shoppings internos, como teme o comércio estabelecido, lembraríamos que a estação rodoviária intermunicipal começou a funcionar com o térreo para ônibus e passageiros e dois pisos para o comércio. O segundo terminou desmobilizado diante da desproporção oferta comercial/passageiros e no primeiro o Judiciário terminou obrigando a administração, há poucos anos, a criar um espaço confortável de espera de embarque. Aproveitamos o exemplo para argumentar que os passageiros não só desejam, como merecem e têm direito ao conforto. Nada de shoppings para alguns privilegiados venderem quinquilharias. As estações de transbordo devem oferecer basicamente conforto e segurança. O que significa espaço suficiente e instalações como banheiros, limpos e – forçoso reconhecer – vigiados. Em síntese, é só fazer o contrário do que se registra diariamente na avenida Salgado Filho, num crescendo desde a década de 70. Oitenta mil pessoas transitando, embarcando e desembarcando de ônibus diariamente. Ônibus congestionando em terminais que atendem até três linhas simultaneamente e provocando os mais elevados índices de poluição atmosférica da cidade. Movimentado comércio de alimentos sem a mínima fiscalização. Ausência de banheiros públicos e lixeiras ( a Prefeitura deveria colocar lixeiras de ferro, como os parquímetros, porque as de plástico não duram sequer uma semana ), o que, em seu conjunto, provocou uma trágica inversão urbana. De um bulervard, onde as pessoas, inclusive visitantes da cidade que dispunham da casas de câmbio para a troca de moedas estrangeiras, passeavam antes de ir às compras na Rua da Praia, foi transformada numa imunda e perigosa rodoviária e cenário de diversão noturna. A avenida Salgado Filho é a verdadeira Rua 24 Horas da cidade: tráfego intenso de dia e incontrolável de noite.
19/10/2006
Excertos deste texto foram publicados na página 10 do mensário Folha do Porto, edição de outubro de 2006, cuja distribuição, de seus 14 mil exemplares, porta a porta, se dá nos dias 25 e 26 de outubro, no bairro Menino Deus, típico de classe-média, e arredores idem.
Bertrand Kolesza - o redator - que agradece, aqui, ao Sérgio, pela sua colaboração espontânea.