Derradeiro experimento racialista
Magnolli apontou para o perigo de se debater com base em raças, afinal elas não existem na biologia, e sobre o que está em curso no Brasil. Frei David pediu "ajuda" aos empresários, para incluir os negros no mercado de trabalho.
Mas o que mais chamou a atenção, no debate, foi a afirmação de Magnolli, que o Brasil é um país que traz enorme problema para os projetos políticos do racialismo, em curso no mundo, financiados por grandes fundações privadas, pois é um dos países do Ocidente que não teve legislação racial no século XX. "Se for possível criar noção de raça no Brasil [pela lei], se cria em qualquer lugar do mundo". E por que isso?
Porque a população brasileira, em grande maioria, afirma-se como "parda", nem "branca’ nem "negra", no censo do IBGE. E, se este maior número de pessoas (42%), que não cai nos equivocados rótulos de "branco" ou "negro" (e que é "vítima de genocídio estatístico" por quem pede cotas para negros nas universidades e no mercado de trabalho, apontou o sociólogo) aceitar que é "negra" e leis racialistas forem adotadas, então, o país da mestiçagem, aí racializado, será modelo para o mundo daqueles que buscam dividir as pessoas em raça, como nos EUA e em outros países. Conclui o redator, então, que o Brasil é o local do derradeiro experimento racial.
"O Brasil optou pelo mito da mestiçagem, que é o da miscigenação, que se faz na cama, óbvio, mas que é, também, intercâmbio cultural e político. A mestiçagem é o contrário da identidade racial. Não esqueçam que a principal lei racial dos EUA não era a segregação das pessoas em lugares públicos, mas a proibição de brancos e negros de se casarem. Era antimiscigenação."
Ele lembrou que "mito" é uma narrativa utópica, que grupos humanos criam, para organizarem o seu futuro. "Mito não é mentira, não se confundam", alertou.
Magnolli foi mais além. Alertou que o Estatuto da Igualdade Racial, a ser aprovado pelo Congresso, é coisa muito séria e perigosa. Primeiro, a observação de ordem lógico-semântica
"Falar em igualdade racial não faz sentido, afinal, a noção de raça pressupõe a de diferença. Ou raça, ou igualdade. Se raça, defini-se a diferença". Mais. "As raças surgem nas leis, são estabelecidas por políticos, como nas Leis de Nürenberg, Apartheid e nos Estados Unidos."
O estatuto proposto, segundo o sociólogo, "vai mudar a Constituição brasileira", avisou, afinal, ela propõe que todos são iguais perante a lei, sem distinções de qualquer natureza; e o estatuto propõe que as pessoas sejam distintas, conforme raça, na esfera pública.
"Se uma pessoa, ou um grupo de pessoas, quiser afirmar sua raça, isso pode ocorrer no espaço privado, da sua casa, das suas associações, mas não entra no espaço público, do estado e das leis", observou. Afinal, distinguir as pessoas pela raça a que supostamente pertencem, aponta para o passado, para sociedades pré-modernas, "arcaicas", afinal, no mundo contemporâneo, as pessoas são "indivíduos que existem conforme as suas potencialidades, o seu futuro"; apelar para raças, como para tribos, ou castas, é manter as pessoas sempre no mesmo locus social, é prendê-las ao passado. Propor leis de cotas raciais é destruir tudo o que foi conquistado na modernidade. E é, como avisou, alterar a Constituição da República Federativa do Brasil.
Se no país da miscigenação, da ausência de leis raciais, logo, de racismo, o experimento racial funcionar, poderá ser criado o racismo em qualquer lugar do mundo. Mundo que, assim, retrocede, em vez de avançar rumo ao individualismo, volta ao passado da tribalização.
Magnolli não nega, como ninguém de bom senso negaria, que a escravidão trouxe graves conseqüências aos africanos e trazidos ao Brasil. "Mas a escravidão não foi um fenômento racista, mas, sim, sócio-econômico. Europeus, como portugueses e ingleses, compraram escravos negros de outros negros na África."
Magnolli não falou, mas cumpre acrescentar, que punir as atuais gerações, com cotas, para corrigir erros do passado, é punir quem vive, por aquilo que não cometeu, que seus antepassados supostamente teriam cometido. É condenar uma geração, pela anterior, é, como se pode ver, isso sim, racialismo. Mas isso não é de se admirar, percebendo-se que organizar uma sociedade por raças é negar o direito e a liberdade fundamentais, que a humanidade tantos séculos demorou para alcançar.
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