Wednesday, June 04, 2008

Autoritarismo, ignorância e demofobia

O abuso de poder, o desconhecimento da realidade e o medo do povo pobre somam-se na pro-posta gestada no Legislativo e no Executivo municipais de “eliminar” [o verbo foi eles que lançaram] os carroceiros e demais papeleiros das ruas, com o fito de “modernizar a cidade” [dizem]. No parlamento, fala-se em oito anos para “eliminar” os carroceiros. Vão é iniciar uma briga pelo lixo nas ruas.

No paço municipal, informa-se que um terreno já foi adquirido na zona Norte, para 500 pessoas trabalharem com a reciclagem. O lixo seco será trazido por caminhões de uma firma a ser contratada por licitação, paga, claro, pelos cidadãos, carroceiros e papeleiros inclusos, na forma de tributos. Mas existem umas 40 mil pessoas vivendo da cata de reciclável na cidade.

Os catadores recolhem de graça. Políticos querem tirar os carroceiros das ruas sem poder e sem saber se querem ir para os galpões. Autoritarismo, abuso de poder.

As licitações do DMLU estão com a secretaria da Fazenda, após as muitas trapalhadas e causos de corrupção, desde outros governos. Inclui até contribuição eleitoral, em eleição no passado (ahá).

De lá, ouve-se que o edital para contratar a firma que irá recolher o seco reciclável ainda está sendo formatado. Quem sabe como licitações são elaboradas pode ter uma idéia de o quê está acontecendo. É preciso conversar, antes, com os possíveis interessados em participar do certame “democrático”. Se não, como definir preço limite?

O fato é que o lixo, que primeiro atraiu os pobres como fonte de renda, virou matriz de riqueza, atraindo quem tem muito dinheiro. Como concorrer com o pobre é duro, preferem garantir o monopólio com a benção da classe política (os eleitos e os concursados), à edital.

Não existe ninguém, na administração municipal, seja na Fazenda, no DMLU, na EPTC ou PQP que saiba ao certo quanta gente vive da coleta de lixo seco na cidade. E, assim, embasados na sua ignorância, querem intervir na vida alheia.

O edital não pode prever indenização aos carroceiros, sobre seus cavalos ou éguas e carroças. Vão retirar deles o pão da boca e que se danem com seus bens de trabalho. Autoritarismo, outra vez.
Tudo o que lhes interessa é retirar os pobres das ruas. Vê-los e conviver com eles é deprimente?Aqui está o horror ao povo, demofobia. Mas a pobreza tem como origem a classe política, com altos tributos e gastos excessivos.

Os carroceiros falam em 50 mil a viverem do lixo. A prefeitura fala em 15 a 20 mil. Como cada um puxa para seu lado, a realidade deve estar em um número intermediário.

Na EPTC há quatro mil carroças emplacadas e eles contam outras quatro mil sem placa. Só aí já são umas 32 mil pessoas (uns quatro vivendo do lixo por carroça). Se botar na conta quem puxa carro, carrinho de supermercado, bicicleta, kombi, a pé, ... 40 mil, que tal?

Que se danem, querem os políticos desses governos à esquerda, alegrando a classe média demófoba e o empresariado monopolista. De laissez faire nem vamos falar, afinal, o capitalismo, que salvou e salva os pobres, é desumano. Certo?

Carroceiro não quer ir para
os galpões da prefeitura

A prefeitura quer retirar [“eliminar” foi o verbo já usado] os carroceiros e papeleiros das ruas. Quer licitar firma privada para recolher o lixo em caminhões e os levar para galpões, onde os carroceiros trabalhariam. Esqueceram de combinar com as vítimas da intervenção estatal. Ao conversar com carroceiros e papeleiros, não se encontrou um que queira abandonar as ruas.
O estado, assim, obra contra o pobre, pelo rico, ou contra o rico, pelo pobre. De laissez faire (deixa fazer) não vamos nem falar. E o mezzo socialismo avança sobre a mínima liberdade individual. Sorri no bunker o trabalhista alemão.

Conversa com o carroceiro
O senhor aceitaria ir trabalhar em um galpão de reciclagem da pre-feitura? - questiona o redator a um carroceiro que recolhe o seco no Menino Deus. Dizem que pagam 480 reais por mês para cada um.

O homem sorri de escárnio e diz

“Mas de jeito nenhum, 480? O que é isso? Ganho muito mais trabalhando por conta.”

Nisso surge um homem que não tem carroça, ele é sua própria força, puxando um carrinho.

“No galpão? De jeito nenhum! Já trabalhei três meses, minha família começou a passar fome, voltei para a rua, onde ganho mais.”

“Eu me orgulho do que faço, alimento minha família, não falta comida na mesa. Agora, querem acabar com a gente”, desabafa a esposa do carroceiro, ele que, aos 50 anos, trabalha nisso desde os 12.

“O galpão lá no Partenon que compra de nós tá recebendo pressão dos fiscais para fechar. Noutro ponto que separamos, o fiscal já nos ameaçou com a Brigada, que vai tirar a carroça da gente.” Se um vagabundo fede na porta de um prédio, a polícia diz que nada pode fazer. Com quem trabalha pode.

N.R.: Nomes omitidos para evitar retaliações.

Guerra pelo lixo - Talvez os pobres que vivam do lixo seco tenham seu trabalho extinto antes dos oito anos previstos por vereadores. A PMPA prepara a contratação de empresa privada, para recolher o seco em toda cidade, duas vezes por semana. A coleta atual resulta em 60 toneladas ao dia. Terá custo a todos, enquanto os carroceiros e papeleiros, que recolhem outras 60 a 80 t, estima o DMLU, fazem-no de graça para todos. São umas 40 mil pessoas vivendo do seco na informalidade. As 60 toneladas que o DMLU recolhe abastecem 14 galpões, que empregam 722 pessoas, percebendo R$ 480,00 ao mês cada; 82% delas são mulheres.

Limites da lei - Os parlamentares em todas as esferas desdenham da lei maior. Querer “eliminar” os carroceiros esbarra em uma lei federal, que eles não têm poder para mudar. Mas a Comissão de Constituição da Câmara já aprovou a lei para extinguir a presença da carroça em oito anos. O Código de Trânsito reconhece as carroças como veículo que pode transitar em cidades e estradas. O município não pode proibir sua circulação. Se proibir, violará o princípio da cogência das leis. Fazê-lo é fácil. A Constituição é desrespeitada todos os dias, várias vezes ao dia por todas as autoridades.

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1 Comments:

Blogger Paulo said...

A midia ‘oficial’ diariamente se esforça para difundir, entre a população, o mito de que a culpa das tranqueiras no trânsito portoalegrense seja das carroças. Entretanto, basta dar uma volta pela cidade para ver que a fantástica quantidade de sinaleiras espalhadas por toda parte, transformou Porto Alegre numa enorme árvore de Natal que nunca é desligada. Para aumentar a tranqueira, decoraram a cidade com milhares de placas que limitam a velocidade em 60 e em 40 km/h. Acho que tem até placa de 30 km/h. Ao circularem pela Terceira Perimetral, visitantes vindos de outros estados estranham que tenha-se gastado tanto dinheiro para construir a avenida mas agora ... não deixam os carros andar. E ainda querem culpar as carroças.
Quanto ao lixo, cabe salientar que não é pelos cuidados com a ecologia que é reciclado, mas pelo valor econômico que tem. Desde que a população descobriu que lixo é matéria para a indústria, muito catador e muito carroceiro se integraram ao processo da reciclagem, tirando daí o sustento. Agora que a população se acostumou a separar o lixo, preparando-o para a reciclagem, se apresenta a malandragem plantonista querendo se apossar do trabalho alheio. Se este projeto for mesmo implantado, tudo será como antes, ficando os lucros apenas com a tal empresa contratada, conforme o Beretrand disse no texto.
E qual seria o instrumento capaz de levar todo morador da ex-Leal e Valerosa cidade a trabalhar de graça? Não sei, mas leis costumam ser usadas para finalidades semelhantes. Nada mais seguro do que implantar um pacote de leis que obrigasse o cidadão a fazê-lo, sob a ameaça de ser tratado como criminoso por qualquer insignificância que deixasse de cumprir. Não se duvide pois, afinal, a empresa contratada pela prefeitura estará esperando a matéria prima para faturar.

6:26 AM  

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